4 de setembro de 2013

Vários edifícios Maletta em uma só esquina

| categoria: reportagens |

No famoso edifício entre a Rua da Bahia e a Avenida Augusto de Lima, no centro de Belo Horizonte, várias são as atmosferas e histórias possíveis. Como será trabalhar naquele ambiente?



O Edifício Maletta é, antes de qualquer coisa, um ponto de encontro. Entre suas paredes, algumas ordens rígidas são subvertidas, numa demonstração curiosa de singularidade. Por exemplo? Profissionais que ali se detém oito horas por dia negam-se a deixarem-no também nas horas de folga: por lá, se ganha o pão e toma-se a cerveja, não necessariamente nessa ordem.

No Maletta a atmosfera é plural. Em pouquíssimos metros é possível sentar-se num conceituado restaurante para experimentar alguns dos mais famosos pratos de Belo Horizonte e beber com os amigos num boteco completamente lotado, ao som de burburinho e algumas risadas. Se preferir, pode subir alguns degraus e encontrar a turma do rock, da literatura, do teatro. Mudam as bebidas e também as pessoas; tudo é alternativo, são universos paralelos.

Ali, onde se acha a maior concentração de sebos do estado de Minas Gerais, também se acha o maior número de copos em brinde, jornalistas em fim de expediente, músicos, atores, esportistas, artesãos, desempregados.

Quando ergueram o Conjunto Arcangelo Maletta, ainda não haviam cunhado o termo “público alvo”.

“Trabalhar aqui é gostoso, é bacana. Estou aqui desde 1975. Antigamente, o Maletta era como o BH Shopping, só se encontrava a nata. Aqui vinha Milton Nascimento, todo o Clube da Esquina”, diz Vagnon Tavares, o Vaguinho, personagem antigo do Penta Cabeleireiros. Ele continua: “Emerson Fittipaldi já esteve aqui, me lembro. Fora o pessoal do futebol: Reinaldo, Cerezzo, Tostão... Todo mundo vinha pra cá”.

Na tradicional Cantina do Lucas, onde mesmo o teto é simpaticamente decorado com garrafas vazias de boca para baixo, os casais compartilham mesas e conversam aos sussurros. Na fachada, grades coloridas em vermelho e verde fazem um convite à curiosidade, enquanto uma placa confere respeito: ‘Cantina do Lucas – Desde 1962’.

Gerval Lopes, garçon / CLIQUE para ampliar
Gerval Lopes, garçon da Cantina, não esconde que o Edifício Maletta não é apenas seu local de trabalho.

“Trabalho aqui há cinco anos. Sim, venho de vez em quando tomar uma cerveja e encontrar os amigos. O Maletta é mesmo um ponto turístico de Belo Horizonte. Na Cantina, o pessoal de jornalismo, da mídia em geral, costuma vir em peso. Hoje a casa só fecha às 2h”, conta.

“Estou na Cantina há um ano. Sempre vejo aqui no Maletta pessoas ligadas à cultura, gente do teatro e da música. Na semana passada, o Paulinho da Viola esteve aqui“ diz Viviane Nunes, colega de Gerval.

A pluralidade do Edifício Maletta não é segredo para ninguém. No Douby, um bar universitário com requintes da cultura rock, a balconista Flávia Silveira revela não saber precisar o público que costuma frequentar a casa.

“Aqui nós temos várias tribos, várias cenas. Temos um público variado, o Maletta carrega uma história muito grande... Temos gente ligada à arte, fotografia, moda, música. É uma galera do bem”, ela diz.
Estilo é a marca do Douby Bar / CLIQUE para ampliar

Perguntada sobre o limite entre trabalho e lazer em relação ao edifício, Flávia também não esconde que chega a frequentá-lo mesmo fora do expediente.

“Eu sempre gostei do Maletta. Aqui tem livrarias, galerias de arte, restaurantes, caffés, você consegue aproveitar muita coisa bacana aqui. No Maletta você não fica preso. É possível fugir de ares no mesmo espaço, variar sem precisar andar muito”.

Liedson está no Maletta há 10 anos / CLIQUE para ampliar
Um reflexo de tanta variedade é a loja do Liedson Dias. Há 10 anos no edifício, ele e a mãe mantêm um estabelecimento completamente alternativo: sem vitrines, sem qualquer tipo de catalogação ou harmonização aparente dos produtos, quase não se pode encontrar uma trilha entre o amontoado de estátuas de barro, pilhas de pano, de papel, brinquedos, roupas e manequins para chegar ao fim da loja. Lá atrás, apoiado numa máquina de costura enquanto amassa latinhas vazias, ele não hesita em falar com nossa reportagem.

“Estou aqui há 10 anos. Ajudo minha mãe com tudo que ela precisa... Nós atendíamos exclusivamente o pessoal do teatro, nosso forte sempre fui o figurino. Mas o teatro teve uma queda, então temos de tudo aqui. De qualquer forma, muita gente do meio ainda nos procura. Minha irmã é atriz premiada, Nilmara Emanuella Gomes, gostamos muito de teatro. Dispomos de costura reta, overloque, ajudo minha mãe no que posso”.

Um dos pontos mais notórios do centro de Belo Horizonte, o Edifício Maletta não pode ser esquecido pelo povo ou pelos governantes. Naquele espaço, respira-se história, a memória das nossas tradições, com inúmeros portais para universos paralelos.


Marcadores: