2 de fevereiro de 2012

O que houve com o hino?




Pinheirinho é um desses casos que demonstram o quanto o povo nada vale para os que mamam nas tetas daquele que, ao som do mar e à luz do céu profundo, deitado está em berço esplêndido. Eternamente, inclusive. O Brasil, esse país de hino poético, de certos homens e certas mulheres que lutam, certos homens e certas mulheres que roubam, certos homens e certas mulheres que, ou bitolados tornaram-se, ou bitolados foram tornados, é também o país onde a polícia agride e a mídia não mostra. Por quê?

Vergonhosamente, inescrupulosamente, afrontadoramente, as redes de televisão não prestaram a cobertura necessária que a guerra civil no bairro de Pinheirinho pedia. Mostraram, em verdade, alguns poucos refugiados recebendo alimentos e cuidados — a imagem da qual Geraldo Alckmin, só mais uma maçã podre na feira, precisa num momento delicado como esse.


Qual não foi meu espanto, seguido enviesadamente por um tanto generoso de vergonha, medo e revolta, quando, no jornal, pronunciada palavra por palavra, ouvi a mentira que nos insulta e ofende a todos os desvalidos do Brasil: “A cúpula da PM do estado de São Paulo comemora, afinal, a desocupação foi pacífica”. Pacífica? Sim. É mais um pré-fabricado do Governo de São Paulo, que precisa urgentemente de artifícios que façam parecer sensato o cumprimento da ordem de despejo expedida pela juíza que ignorou a determinação da Justiça Federal Brasileira de recuo imediato da PM, Polícia Civil e Guarda Municipal na ação desmedida. Uma afronta. Pouquíssimas vezes já vimos casos parecidos, em que o próprio judiciário não se entende. Se você que me lê ainda não entendeu, é muito mais sério que parece: a OAB definiu o episódio como uma “quebra de pacto federativo”.

 Porque logo neste caso? Logo quando envolve o interesse do milionário Naji Nahas, o homem preso por manipulação dos resultados na bolsa de valores, indiciado por “formação de quadrilha”, “crime do colarinho branco” e “crime contra a economia popular”. O terreno onde se assentou Pinheirinho, aliás, tem os impostos completamente atrasados à prefeitura de São José dos Campos, que, por “coincidência”, é a principal credora da massa falida da Selecta (empresa de Naji Nahas). De acordo com a lei, toda a extensão de terra já deveria ter sido tomada pela União e integrada ao programa habitacional federal, o “Cidade Legal”, que, ironicamente, poderia beneficiar as famílias que em Pinheirinho viviam desde 2004, as quais os jornais chamam disfarçadamente e em doses planejadas de “sem tetos” e “invasores”.

E diante da afronta e desrespeito, o que fez a Justiça Federal? O que fez o Poder Executivo Brasileiro? Absolutamente nada. Uma nota aqui, outra ali, para, talvez, não ficar tão feio quanto é. Em verdade, os moradores de Pinheirinho foram obrigados a assistir, chorosos, suas casas virem abaixo em segundos que insultam os esforços de quem, por anos, lutou para erguer cada tijolo.

Na televisão, salvo o canal Record News, todos os demais se omitiram vergonhosamente, como em outros episódios na história deste país.  Aos que se omitiram, meu lamento. Mas houve os que, curiosamente, empenharam-se em fazer parecer a ação da polícia mais uma missão de pacificação. A esses, meu repúdio. Quem não se lembra das ações da PM carioca nos complexos da Rocinha e do Alemão? Pois a mídia tratou com igual peso o caso Pinheirinho. Por diversas vezes, chamadas ao vivo da Rede Globo, por exemplo, mostravam carros sendo queimados e grupos táticos da polícia comunidade à dentro, sempre com os comentários da repórter sobre pessoas sendo presas por vandalismo e ressaltando, é claro, a eficiência da polícia militar. Curioso foi, entretanto, o fato de que nem mesmo a poderosa Globo foi autorizada a entrar em Pinheirinho durante a ação. Se pensarmos que no Alemão e na Rocinha, como via de exemplo, várias equipes de reportagem entraram, inclusive sob o amparo das tropas, porque não ali? No Rio, tratava-se de traficantes de drogas que resistiam à pacificação. Em São José dos Campos, moradores que há anos viviam no bairro e, naturalmente, resistiriam em perder o que haviam construído. Estranho. Estranho e injustificável, a menos que o poder público paulista estivesse disposto a tudo (e leia-se “tudo” no pior sentido da palavra e de contexto). E os que não estudaram história nacional, na escola, vão dizer: “Impossível isso acontecer no Brasil!”.

No documentário “O Massacre de Pinheirinho: a verdade não mora ao lado” e no vídeo “Eu Queria Matar a Presidenta: depoimentos da guerra civil brasileira”, ambos disponíveis no YouTube, moradores do local fazem várias denúncias que precisam ser investigadas. São relatadas mortes, corpos raptados e outras atrocidades. Nas imagens, crianças e mulheres por toda parte. Já na TV, quase todas as referências são feitos a jovens vândalos. “Um carro da TV Vanguarda (filial Globo), foi, inclusive, incendiado”, diz uma repórter. Como se não houvesse vândalos em todas as comunidades, e como se não fossem oportunistas quando querem depredar o que quer que seja, independentemente dos motivos. Percebem o jogo de manipulação?

Infelizmente, voltando então ao hino nacional, nossa mãe não é gentil nem mesmo para os filhos deste solo. O verde-louro da flâmula que ostenta, verdade seja dita, não projeta paz no futuro ou glória no passado. Que se faça a lei! E que seja mais justa. Nesse cenário, aí sim, poderemos esperar mais de uma nação na qual até mesmo o Hino Nacional é uma mentira estapafúrdia.


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